cropped gettyimages 1176960511
NBA

Kareem Abdul-Jabbar publica texto se posicionando sobre a onda de protestos contra o racismo nos EUA

(por João Zarif)  Ontem, o ex-astro do Los Angeles Lakers, Kareem Abdull Jabbar (hexacampeão da NBA, MVP 6x da NBA, maior pontuador da história da liga e condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade, maior condecoração que um civil pode receber nos EUA), se posicionou em relação a onda de protestos contra o racismo institucional nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd, assassinado pela polícia de Minneapolis, em Minnesota. Abaixo a tradução do texto, e o link original. “Não entende os protestos? O que você está vendo são pessoas que foram levadas ao extremo” “Qual foi a sua primeira reação quando você viu o vídeo do policial branco ajoelhado sobre o pescoço de George Floyd enquanto ele dizia “eu não consigo respirar”? Se você é branco, você provavelmente murmurou um “Meu Deus” horrorizado enquanto balançava a cabeça devido à cruel injustiça. Se você é preto, você provavelmente saltou do local em que estava sentado, talvez tenha jogado algo contra a parede (certamente queria jogar algo), tudo isso enquanto gritava “Essa merda de novo não!” E então você se lembrou dos dois brancos acusados de assassinarem Ahmaud Arbery enquanto ele corria pelo bairro deles em fevereiro, e como – se não fosse pelo vídeo que surgiu há algumas semanas – eles teriam se safado impunemente. E você se lembrou de como aqueles policiais de Minneapolis disseram que Floyd estava resistindo à prisão, mas um vídeo de segurança da loja mostrou que ele não estava. E você pensou em como o policial que se ajoelhou sobre o pescoço de Floyd não parecia um daqueles esteriótipos de pessoa ignorante raivosa. Pelo contrário, era um policial que parecia calmo, sob controle e desprovido de piedade: a banalidade do mal encarnada. Talvez você também tenha pensado na moça do Central Park que chamou a polícia porque achou que um homem negro a estava ameaçando depois que ele pediu para que ela pusesse uma coleira no seu cachorro. Ou ainda no estudante da Universidade de Yale que estava tirando um cochilo na sala do seu dormitório e foi denunciado para a segurança por um aluno branco. Você pensou nessas coisas porque você entendeu que não é só um suposto criminoso negro que é o alvo aqui: é todo o espectro de faces pretas do país. E então você começa a pensar se deveriam ser os pretos a usarem câmeras presas ao corpo como medida de segurança, não os policiais. O que você vê quando vê pessoas pretas nervosas se aglomerando pra protestar do lado de fora de uma delegacia com os punhos erguidos? Se você é branco, talvez você pense que “essas pessoas não estão praticando o distanciamento social.” E então você vê essas pessoas pretas saqueando lojas da Target e você pensa, “isso apenas atrapalha a causa deles.” E quando você vê a delegacia pegando fogo, você balança o dedo e diz, “Isso faz a causa deles retroceder.” Você não está errado – mas você não está certo também. A comunidade preta está acostumada ao racismo institucional inerente à educação, ao sistema judicial e às oportunidades de emprego. E mesmo com todos nós fazendo as coisas convencionais para chamar a atenção do público e dos políticos pra isso – escrevemos textos articulados e perspicazes em grandes veículos de comunicação, explicamos a devastação contínua na CNN, damos nosso apoio aos candidatos que prometem mudanças -, mesmo assim, nossas tentativas mal arranham a superfície do problema. Mas a COVID-19 tem escancarado as consequências de tudo isso: morremos a uma taxa significativamente superior a dos brancos, somos os primeiros a perder nossos empregos, e assistimos impotentes aos Republicanos enquanto eles tentam impedir que votemos. Ao mesmo tempo que a ponta viscosa desse iceberg chamado racismo institucional começa a ser exposta, a temporada de caça aos negros parece aberta. Se ainda havia alguma dúvida, os tweets recentes do Presidente Trump confirmam o zeitgeist nacional: eles chamam os manifestantes de “bandidos” e indicam que é justo atirar em saqueadores. Eu não quero ver lojas saqueadas ou mesmo edifícios incendiados. Mas os americanos negros têm vivido num edifício em chamas há muitos anos, sufocando com a fumaça enquanto as chamas queimam cada vez mais perto. O racismo nos Estados Unidos é como poeira suspensa no ar. Parece invisível – até quando você está sufocando com ela – até a hora que você abre a janela e a luz do sol entra. Aí, você vê que a poeira está por todos os lados. Enquanto mantivermos essa poeira sob os holofotes, teremos uma chance de limpá-la onde ela pousar. Ainda assim, teremos que permanecer vigilantes porque ela ainda estará suspensa no ar. Então, a preocupação da comunidade negra nesse momento talvez não seja com a distância que os manifestantes estão mantendo entre si, nem com as poucas almas desesperadas que roubam algumas camisetas ou que até incendeiam uma delegacia, mas sim com seus filhos, maridos, irmãos, pais e se eles vão morrer ou não nas mãos de policiais por terem tido a ousadia de querer andar, correr, passear… Nos preocupamos se ser negro significa ter que se abrigar em casa pelo resto de nossas vidas porque o vírus do racismo que infecta o país é muito mais mortal que a COVID-19. O que você deveria ver quando você vê manifestantes negros na era de Trump e do coronavirus são pessoas que foram levadas ao extremo, não porque elas querem bares e salões de beleza abertos, mas porque elas querem viver. Respirar. E o pior de tudo é que a gente tem que explicar nosso comportamento indignado toda vez que o circo pega fogo. Quase 70 anos atrás, Langston Hughes perguntou no seu poema “Harlem”: “O que acontece com um sonho negado? / Talvez ele afunde como uma carga pesada. / Ou ele explode?” Cinquenta anos atrás, Marvin Gaye cantou em “Inner City Blues”: “Me dá vontade de gritar / O jeito que eles tratam minha vida.” E hoje, apesar dos discursos enfáticos de líderes bem-intencionados, brancos e pretos, ainda querem silenciar nossa voz, roubar nosso ar. Então, o que você vê quando você vê manifestantes negros depende se você vive num edifício em chamas, ou se você o assiste pela TV enquanto come salgadinho. O que eu quero ver não é pressa de julgamento, mas pressa de justiça.”  Link para a matéria original, em inglês: https://www.latimes.com/opinion/story/2020-05-30/dont-understand-the-protests-what-youre-seeing-is-people-pushed-to-the-edge?fbclid=IwAR0vOw2SDFnxpZIToR3qfTYWuJmK8tx3gdU0cCgMVJt_IJeiAsYPJk-MEr4

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *