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Drazen Petrovic: legado, basquete na Iugoslávia e como guerra acabou com uma amizade

(por Leandro Chagas)  Há quem diga que esporte e política não se misturam. Não é o caso dessa história. Entre os anos de 1980 e início da década de 90, uma seleção de basquete fez história, conquistando alguns dos principais títulos do esporte, revelando também jogadores que abririam as portas para diversos outros atletas europeus que hoje podem exibir seus talentos na NBA. No entanto, um episódio específico levou ao fim a amizade de duas grandes figuras chaves desta geração.  Antes de começar a falar de basquete, é preciso contextualizar a situação com uma pequena aula de história e geografia. Após o fim da primeira guerra mundial (1918), formou-se um país, localizado na Península dos Balcãs, que reunia em seu território seis repúblicas: Croácia e Sérvia, regiões onde nasceram as duas figuras citadas anteriormente, além de Montenegro, Macedônia, Bósnia e Eslovênia. Reunindo os territórios citados, formou-se a Iugoslávia, que foi invadida em 1941, no início da segunda Guerra Mundial, pelas potências do Eixo (Japão, Itália e Alemanha). Durante essa guerra, os Partisans tomaram o poder criando a República Popular Federativa da Iugoslávia, estabelecendo o regime comunista oficialmente a partir de 1946. Dado o contexto, vamos ao basquete.  Drazen Petrovic: talento precoce e sucesso imediato  Para muitos o maior jogador de basquete europeu de todos os tempos, Drazen Petrovic nasceu em 22 de outubro de 1964, em Šibenik, na Croácia. Respirando basquete desde a sua infância, ele tinha seu irmão mais velho Aleksandar, que no futuro viria a treinar a seleção brasileira, como uma referência em casa.  Aos 13 anos, Drazen já jogava nas seleções juvenis do país, e com apenas 15 começou a atuar como ala-armador do KK Šibenka, time da sua cidade natal, que disputava a 1° divisão na Iugoslávia. Três anos depois, aos 18, ele liderou a equipe ao título inédito da Liga Iugoslava, convertendo os dois lances livres decisivos contra o Bosna. No entanto, no dia seguinte, a federação nacional retirou o título do Šibenka, alegando irregularidades na arbitragem do jogo. Depois disso, Drazen teve que se afastar do basquete por um ano para prestar o serviço militar. Após cumprir o compromisso com o exército, ele se juntou ao BC Cibona Zagreb, time onde jogava o seu irmão, e que era uma das potências da Europa. O sucesso foi imediato. Logo de cara Drazen Petrovic comandou time a conquista da Liga e da Copa Iugoslava, sendo também o protagonista no bicampeonato da Euroliga (1985 e 1986). O primeiro título europeu foi batendo o Real Madrid, com um vitória de 87 a 78, onde ele contribui com 36 pontos. O bi viria logo no ano seguinte, com o ala-armador anotando 22 pontos em cima do Žalgiris Kaunas, equipe da URSS, que tinha em seu elenco o grande Arvydas Sabonis. Além das inúmeras conquistas coletivas, Drazen teve algumas atuações lendárias. Se Michael Jordan teve seu career-high com os 69 pontos, em 1985 Petrovic marcou incríveis 112 pontos, em um duelo contra o Olimpia, na primeira rodada da antiga Liga Iugoslava, um recorde maior do que o famoso jogo de 100 pontos de Wilt Chamberlain. A pontuação inacreditável veio com 40 arremessos acertados em 60 tentativas, naquela que talvez seja uma das melhores atuações de um jogador profissional na história. Durante seus quatro anos de Cibona, Drazen teve médias de 37.7 pontos na Primeira Divisão Jugoslava e 33.8 pontos nas competições europeias em que participou. Ficava claro que ele precisava de novos desafios que iam além do que ele poderia alcançar jogando na Liga Iugoslava. Com isso, Petrovic buscou novos desafios.  Mesmo sendo selecionado pelo Portland Trail Blazers na terceira rodada do Draft de 1986, Petrovic decidiu adiar sua ida para a NBA. Com isso, em 1988, aos 23 anos, ele assinou um contrato com o Real Madrid, por aproximadamente US$ 4 milhões. No entanto, as leis esportivas iugoslavas diziam que os jogadores só poderiam jogar profissionalmente no exterior quando completassem 28 anos.  O método utilizado para que Drazen pudesse atuar na equipe espanhola, só foi revelado muitos anos depois, em 2014. José Antonio Arízaga, o agente desportivo de Petrović, relembrou os detalhes desta transação:  “Falei com Mirko Novosel, treinador do Cibona, e ele disse-me que todo problema na Iugoslávia podia ser resolvido com a quantia certa de dinheiro e que se Dražen sair, todos os outros jogadores com menos de 28 anos vão querer sair e vai ser o caos. Você pode imaginar todos os indivíduos que eu tive que subornar e todos os lugares onde eu tinha que pagar para contornar essa lei”.  Seleção iugoslava: liderança, conquistas e fim de uma amizade Antes de abordar a curta passagem pelo Real Madrid e a ida para a NBA, vamos voltar um pouco no tempo. Desde os 15 anos de idade, Drazen já defendia a Iugoslávia nas categorias de base. Sua primeira competição na seleção principal foi aos 19 anos, na Olimpíada de 1984, em Los Angeles, onde ele conquistaria junto com seus companheiros a medalha de bronze. O terceiro lugar seria repetido dois anos depois, no Campeonato Mundial, e também em 1987, no Campeonato Europeu de Seleções. Durante a preparação para as Olimpíadas de Seul, em 1988, o caminho de Drazen se cruzaria com o de Vlade Divac, aquela figura citada logo no início do texto, que antes mesmo deste encontro, já admirava seu então companheiro. “Ele (Petrovic) era o meu ídolo. Eu tinha 13 anos e ele já tinha 17. Já se falava de alguém que seria o melhor jogador da Europa. E todos os jovens, não apenas eu, começaram a seguir a sua carreira.” A preparação para os Jogos Olímpicos durou três meses, sendo realizada nas montanhas em Rogla, na atual Eslovénia. Os dois viraram companheiros de quarto, e apesar das diferenças de personalidade, surgia ali uma grande amizade. Enquanto Drazen era uma figura séria e extremamente dedicada ao basquete, Vlade era aquele cara mais preguiçoso e brincalhão, o que não diminuía em nada o talento do pivô, que apesar dos 2,16 metros, demonstrava muita habilidade e velocidade para alguém daquele tamanho. Os dois jogadores eram pilares de uma geração que faria história, tendo ainda nomes como Dino Rada, Zarko Paspalj e Toni Kukoc. O primeiro grande feito foi a medalha de prata em Seul, onde a Iugoslávia acabou sendo derrotada na final pela União Soviética.  No ano seguinte, em 1989, jogando em casa, a Iugoslávia conquistou o Europeu, com Drazen sendo MVP do torneio. No entanto, o auge daquele time aconteceria em 1990, na disputa do Mundial de Basquete, na Argentina. Lá, Drazen e companhia foram avançando a cada fase, vencendo inclusive os Estados Unidos na semifinal do torneio, por 99 a 91. Na final, eles ainda vingariam a derrota da Olimpíada de Seul, vencendo os soviéticos por 92 a 75. No entanto, durante a comemoração do título, aconteceria o famoso episódio que deu fim a amizade entre Drazen e Divac.  Enquanto os jogadores da Iugoslávia celebravam, um homem entrou na quadra com uma bandeira da Croácia e se aproximou de Vlade, que diz abertamente que o fato ocorrido naquele dia o “assombraria para sempre”. “Fui até ele e disse ‘esta bandeira não tem porque estar aqui’. Ele respondeu insultando a bandeira da Iugoslávia. Fiquei tão furioso, que tomei a bandeira (croata) e joguei longe”, relembra o próprio Divac, no emocionante documentário “Once Brothers”, disponível no Watch ESPN, que na minha opinião é uma das melhores produções esportivas já feitas até hoje. Assistam!  Confira o vídeo do incidente: https://www.youtube.com/watch?time_continue=6&v=X6HLVJq4VBg&feature=emb_… Por conta das tensões políticas que colocaram em guerra Croácia e Sérvia, num momento em que a Iugoslávia passava por uma iminente separação, o ato de Vlade (de origem sérvia) tomou proporções gigantescas, fazendo com que ele se tornasse uma espécie de vilão para o povo croata. A partir daí, a relação de quase irmandade com Drazen (de origem croata) nunca mais foi a mesma. “Demoramos anos para criar uma amizade e a perdemos em segundos”, relatou Divac em “Once Brothers”. Já em 1992, Drazen Petrovic, junto com outros nomes como Toni Kukoc, disputou as Olimpíadas de 1992, em Barcelona, pela recém formada República da Croácia. Aquele time avançou até a grande final, onde acabou sendo derrotado pelo lendário “Dream Team” dos Estados Unidos.  Passagem rápida pelo Real Madrid e ida para a NBA  Voltando no tempo, em 1988, Drazen chegava ao Real Madrid, para uma rápida passagem antes de se transferir para a NBA. Petrovic comandou a equipe espanhola na conquista da Copa dos Campeões da Europa (Copa Saporta). Na decisão, o ala-armador marcou 62 pontos, sua melhor marca em competições de nível europeu. Ele também conquistou junto com os “Merengues” o título da Copa do Rei da Espanha, em cima do rival Barcelona. Decidido a finalmente encarar os desafios nos Estados Unidos, Petrovic deixou o Real Madrid de forma abrupta, para se juntar ao Portland Trail Blazers. No entanto, o time americano teve que comprar os direitos de Drazen junto ao Real Madrid, para que o jogador finalmente pudesse vestir a camisa do time que o selecionou no Draft de 1986 da NBA.  O começo de sua jornada na liga norte-americana não foi nada animador. Os Blazers já tinham uma base estabelecida, com Terry Porter e Clyde Drexler comandando aquele time que contava com um forte jogo de perímetro. Com isso, na temporada 1989/90, Drazen teve médias de 12.6 minutos e apenas 7.6 pontos por jogo. Sem espaço, o croata pouco contribuiu, vendo o seu time ser derrotado nas finais da NBA pelo Detroit Pistons, em cinco jogos (4-1). A segunda temporada veio com ainda mais frustração. Seus 12 minutos de quadra caíram para apenas 7,4. Frustrado com a falta de oportunidades, ele pediu para ser trocado, se juntando ao New Jersey Nets em janeiro de 1991.  Ao lado de Kenny Anderson e Derrick Coleman, dois jovens em ascensão na liga, Drazen começou a mostrar o seu talento, tendo 20,5 minutos por partida e uma média 12,6 pontos. Na temporada 1991/1992, “Petro” esteve presente em todos os jogos do Nets, liderando aquela equipe com médias de 36.9 minutos em quadra, 20.6 pontos, 3.1 rebotes e 3.1 assistências, além de 51% de aproveitamento nos arremessos de quadra. Seu desempenho foi crucial para que a franquia de New Jersey voltasse a disputar os Playoffs, algo que não acontecia há 6 anos (desde 1986). Seu time acabou sendo eliminado pelo Cleveland Cavaliers em quatro jogos (3-1), no primeiro round da disputada Conferência Leste. No entanto, o seu melhor momento na NBA seria na temporada 1992/1993. Com médias de 22.3 pontos, 2.7 rebotes e 3.5 assistências, e um aproveitamento de 51.8% nos arremessos de quadra, Drazen levou os Nets mais uma vez aos playoffs. Seu desempenho fez com que ele fosse escolhido para o terceiro time ideal da NBA. Um fato no mínimo curioso é que entre os 13 melhores pontuadores da temporada, “Petro” foi o único a não ser convidado para o All-Star Game. Mesmo com Petrovic em alta, New Jersey voltou a ser eliminado pelos Cavaliers na primeira rodada, perdendo a série em cinco jogos (3-2).  Morte e Legado  Com 28 anos, após a sua melhor temporada na NBA, Drazen viajou no verão de 1993 para a Polônia, onde a seleção da Croácia disputou um torneio classificatório para o Europeu de Basquete daquele ano. Na volta para casa, ao invés de seguir viagem com seus companheiros no avião, Drazen decidiu não pegar o vôo de conexão para Zagreb, seguindo de carro pela Alemanha, acompanhado de sua namorada Klara Szalantzy e de um amiga dela. No dia 7 de junho, em um momento trágico, o carro que era dirigido pela namorada de Drazen, acabou se chocando com um caminhão. Petrovic, que estava dormindo momento do ocorrido, foi o único a falecer. O triste incidente interrompeu para sempre a trajetória daquele que é considerado um dos maiores jogadores europeus de todos os tempos.  Drazen deixou seu nome marcado para sempre na história do esporte. Além das inúmeras conquistas pelas seleções da Iugoslávia e Croácia, ele foi eleito seis vezes o melhor jogador da Europa. Petrovic teve também sua camisa 3 aposentada pelo New Jersey Nets. Seus incríveis feitos em quadra fizeram ainda com que ele fosse nomeado para o Hall da Fama do Basquete. No entanto, na minha opinião, o maior legado de Drazen está ligado ao fato dele ter sido um dos primeiros europeus a conseguir destaque na NBA.  “Drazen Petrovic foi um jovem extraordinário, um verdadeiro pioneiro no basquete mundial. Uma parte de seu duradouro legado se deve ao fato de que ele preparou o caminho para outros atletas internacionais competirem com sucesso na NBA. Suas contribuições para o basquete foram enormes”. (David Stern, comissário da NBA de 1984 a 2014). Junto com Vlade Divac, que também chegou na liga norte-americana em 1989, selecionado pelos Lakers de Magic Johnson e Kareem Abdul-Jabbar, Petrovic acabou “abrindo as portas” da liga para que outros jogadores também mostrassem o seu valor nos Estados Unidos. Divac teve uma longa carreira na NBA, atuando por 16 temporadas na liga. Além dos Lakers, o pivô jogou ainda por Charlotte Hornets e Sacramento Kings, onde teve camisa número 21 aposentada.  Outro nome daquela geração que se destacou foi Toni Kukoc, peça extremamente importante na conquista do segundo tri-campeonato (1996,97 e 98) daquele Chicago Bulls comandado por Michael Jordan. Na temporada 1995-96, ele levou inclusive o prêmio de melhor Sexto Homem da liga. Luka Doncic, Kristaps Porzingis, Giannis Antetokounmpo… Se hoje ver jogadores europeus na NBA é algo comum, muito se deve a Drazen e aquela geração fantástica de atletas. É triste não saber o quão longe Petrovic poderia chegar na liga, sentimento que ganha ainda mais força com um relato de Michael Jordan: “Foi emocionante jogar contra Drazen. Todas as vezes em que nós nos enfrentamos, ele demonstrou muita garra em quadra. Então, nós tivemos algumas grandes batalhas no passado. Infelizmente, elas foram batalhas de curta duração”. Mesmo sem ter a oportunidade de demonstrar seu potencial por um período mais longo nas quadras da NBA, há quem diga que ele foi o maior jogador de basquete europeu de todos os tempos. Por tudo isso, Drazen Petrovic será lembrado para sempre por fãs de basquete espalhados pelo mundo. Seu legado jamais será esquecido. 

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