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NFL

Como explicar a quantidade de crimes cometidos por jogadores da NFL?

(por Eduardo Schachnik) Antes de ler é preciso esclarecer algumas coisas: Embora contenha embasamento técnico e estatístico, este é um artigo opinativo, portanto não se propõe a encerrar a discussão. Além disso, alguns termos como “crimes” e “prisões” são usados de forma atécnica para permitir uma leitura mais agradável com menos preciosismos.Em um período de isolamento social onde as grandes ligas americanas estão suspensas, os holofotes recaem sobre a vida “privada” dos atletas. Assumindo enfoque nesta seção de notícias estão as prisões de jogadores da NFL, o que reascende o debate: a NFL é uma liga de criminosos? No popular: só tem doido na NFL?Estudo realizado com números de 2010 a 2014 (dados ajustados para expressar a real proporção entre prisões e a quantidade de jogadores nas ligas) demonstra que jogadores da NFL são presos 15 vezes mais do que os da NHL e 4 vezes mais que da MLB. Já em relação à NBA os números se aproximam bastante, ainda com a NFL à frente.As infrações cometidas no trânsito (como dirigir sob influência de álcool/drogas) perfazem a maior parte dos casos, seguidas pelos incidentes de violência doméstica (quesito em que a NBA lidera com quase o dobro da NFL). No entanto, a NFL desponta quando se trata de outros crimes violentos, como agressões, porte de armas e homicídio.É certo que boa parte dos atletas de alto nível, em qualquer esporte, são mimados, sentem-se acima das leis e acreditam que o dinheiro pode lhes evitar problemas, mas poucas ligas têm tanta relação com crimes quanto a NFL, que desde o ano 2000 viu mais de 800 jogadores serem detidos.Na intertemporada esses atletas de elite compõe um grupo singular: jovens milionários, no auge da forma física, com muita energia, dinheiro e tempo livre. É de se esperar que cometam alguns erros, o problema está nos crimes mais violentos que distanciam a NFL das demais ligas.Vários estudos tentam explicar as atitudes extracampo dos atletas da NFL. Aqui estão algumas das principais causas apontadas pelos dados e especialistas. OrigensSe comparadas às taxas da população em geral (baseado apenas por sexo e idade) os jogadores de futebol americano estão abaixo da média de prisões, contudo não se pode ignorar que esses atletas recebem remuneração muito superior à média da população, de forma que se analisarmos os dados apenas levando em conta a parcela da população com renda acima do salário-base da NFL, os números são assustadores. Afinal, os jogadores da NFL não precisam roubar, traficar nem se envolver em outras atividades criminosas para garantir renda, mas, ainda assim, o fazem.A influência da criação da pessoa na construção de seu caráter, embora não seja fator definitivo, é notória. Um bom número de atletas possuem raízes humildes, viveram infâncias em bairros perigosos onde o crime era uma atividade costumeira e aprenderam a conviver com isso. Assim, os laços de amizade e a percepção de “normalidade” se perpetuam e por vezes acabam atraindo o jogador para o crime.  A cultura da violênciaOs jogadores constantemente recebem estímulos para se comportarem de forma violenta durante os treinos, desde a sua juventude. Consequentemente, carregam a violência para as relações sociais. O professor da universidade de Ohio State, Brad Bushman, psicólogo especialista em violência, acredita que essa é a razão. Inclusive, em um estudo de caso, o professor observou que jogadores de um certo colégio atingiam, durante a temporada, um nível de violência comparável ao de veteranos de guerra.Perceba que “violência” é um termo com muitos significados. No contexto da violência em campo e dentro das regras, ela é uma faceta do jogo que o torna tão interessante (nos referimos à violência como sinônimo de agressividade, grande força ou ímpeto), mas essa mesma violência ao se materializar em um ambiente estranho ao jogo, passa a ser um ato reprovável de opressão, constrangimento e crueldade.Além do fator puramente psicológico decorrente do treinamento constante para desenvolver a agressividade em campo, os jogadores também sofrem um efeito hormonal com aumento da testosterona e outros agentes químicos do organismo. Falta de repressãoOs times e treinadores não apenas moldam os atletas para se tornarem agressivos em campo, eles também são condolentes com as condutas extracampo. Muitos são os casos em que um jogador é acusado, investigado ou até mesmo condenado por crimes repudiantes e acaba não recebendo uma punição à altura. Claro que aqui precisamos abrir uns parênteses para observar o princípio da presunção de inocência, o qual informa (nas palavras do direito brasileiro) que ninguém pode ser declarado culpado sem uma decisão definitiva do órgão julgador competente. A NFL realmente tem o direito e dever de resguardar seus atletas, evitando culpá-los antes do trâmite legal, todavia as medidas que a liga e as equipes tomam em relação aqueles casos concretizados ou com elemento probatório robusto, são insatisfatórias.O corte ou afastamento de um jogador só costuma acontecer quando não importar em decréscimo ao time ou por pressão midiática. Frequentemente um jogador é cortado e meses depois assina com outra franquia, “limpando” a imagem anterior, outras vezes o time ignora (ou até encobre) o acontecimento.Outrossim, os fãs também tem sua parcela de culpa por perdoarem os atletas com muito mais facilidade do que perdoariam uma pessoa comum. Um bom exemplo é o caso de Michael Vick, que foi condenado por realizar rinhas de cachorros (foram encontradas várias ossadas dos animais em seu quintal) e mesmo assim foi bem acolhido pelos fãs em Filadélfia. Note-se que muitos americanos têm cachorros e, com certeza, desejariam que uma pessoa comum “apodrecesse” na cadeia se fizesse algo do tipo. Danos cerebraisÉ seguro dizer que anos de pancadas na cabeça, ainda que com equipamento de proteção, podem causar danos permanentes ao cérebro. Estamos falando das famosas concussões.Ao estudar o cérebro de Aaron Hernandez (ex-jogador condenado por homicídio e que cometeu suicídio na prisão) e com base em vários outros estudos, a doutora Ann McKee, da universidade de Boston, enumera, dentre outros, os efeitos que a ETC (Encefalopatia Traumática Crônica) pode causar: dificuldade em conter impulsos violentos e em tomar decisões, volatilidade emocional e comportamento agressivo.Convém ressaltar que o caso Hernandez não pode ser tomado como regra, pois segundo a doutora McKee, fatores genéticos podem ser decisivos no desenvolvimento dos problemas e na intensidade. Contudo, esse e outros estudos já deixaram claro a relação de ETC com a redução da capacidade de discernimento e alteração no comportamento, o que deixaria o atleta mais propício a tomar má decisões.  Após tudo isso, podemos chegar a algumas conclusões: – A NFL ganhou a fama de ser uma liga de “criminosos” por dois motivos principais: a quantidade de delitos e a gravidade de alguns casos, como o de O.J. Simpson, Ray Rice e Aaron Hernandez.- NFL e NBA se distanciam muito das outras ligas em números de delitos. Essa é a estatística que melhor embasa o argumento da origem socioeconômica dos atletas. Sabe-se que é mais comum que jogadores de hóquei e beisebol derivem de classes sociais mais elevadas e talvez por isso tenham menos “contato” com o crime.É fato que proporcionalmente a NFL tem uma média de detenções bem próxima da NBA, mas em números totais a NFL fica muito à frente, o que se dá pelo fato de que o universo de atletas na NBA é muito menor do que da NFL, pois enquanto as equipes de basquete possuem até 15 jogadores no elenco, uma franquia de futebol americano possui 53. Assim, é lógico que você se depare com muito mais notícias de prisões de jogadores de futebol americano do que de astros do basquete.- Em relação aos casos marcantes de extrema violência, realmente a NFL se destaca, o que provavelmente está mais relacionado com os estímulos do esporte conjugados com os danos permanentes no cérebro. Desse modo, não bastaria culpar as concussões, pois o rúgbi tem até mais casos e o hóquei está bem próximo do futebol americano, mas raramente se tem notícia de um atleta dessas modalidades sendo preso. Também não é racional culpar unicamente a agressividade do esporte, pois basquete não é um jogo que envolve contato físico em alta intensidade e ainda assim a NBA tem, proporcionalmente, quase tantos crimes quanto a NFL. Por fim, não é satisfatório apontar isoladamente o número de atletas como fator crucial, afinal, o futebol (soccer) é um esporte praticado por centenas de milhares de jogadores pelo mundo e não se tem essa mesma incidência. Portanto, a má fama da NFL é produto de uma junção dos fatores aqui apontados, que isoladamente não seriam suficientes.

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